Em 2014 publiquei com Aquilo Varela um artigo na revista Debates (aqui) a dar conta do fenómeno da mercantilização do voto, mas mais centrado na mercantilização juvenil via envolvimento dos gangues de rua. Embora este tipo de "rabidância" do voto seja uma realidade desde os anos de 1990, como bem deixa transparecer José Vicente Lopes na sua última obra, o que observei no período eleitoral 2011-2012 e cujo modelo tem sido reproduzido atá à data, ajuda de certo modo a explicar a gradual descrença dos cabo-verdianos nos últimos anos no sistema eleitoral. É certo que é o preferível aos demais regimes políticos e que em comparação com os outros países da nossa realidade geográfica é um dos mais saudáveis, mas também é uma evidência de que a democracia das ilhas vem-se degradando ano após ano, não só enquanto sistema político, mas, sobretudo, em termos de atores políticos.
Para discutir estas questões convidamos, no mesmo ano em que publicamos o artigo referido, a Rosário da Luz, na época cronista do Expresso das Ilhas, para introduzir um debate no Djumbai Libertariu (aqui) num dos bairros ditos periféricos da Praia (Castelão). Pelo meio da coisa, um puto de pouco mais de 20 anos confessou ter votado nas legislativas de 2011 em dois partidos – de manhã no PAICV, no Paiol e à tarde no MpD, em Castelão, seu bairro de residência. Como bem salientou Rosário no artigo de opinião que escreveu a seguir ao encontro (aqui) e no vídeo em cima, é a demonstração do total desprezo de muitos jovens ao nosso sistema democrático que tanto é elogiado por nós e pelos outros (sobretudo daqueles que, dependentes da reprodução da economia da indústria do desenvolvimento, preferem fechar os olhos com receio de que a torneira feche).
Todavia, há que ter em conta que, como afirmamos no tal artigo de 2014, “os jovens, porque em estado de vulnerabilidade, são vítimas da máquina política”. Os dados estatísticos do INE sobre a juventude, não obstante a tentativa última de deturpação ou má interpretação de alguns agentes da máquina governamental, são bem demonstrativos em relação à precariedade juvenil em Cabo Verde. O cruzamento desses dados com as informações etnográficas ou mesmo qualitativas de muitos estudos produzidos na última década é ainda mais elucidativo. Tal como dissertou Roberto Merton nos longínquos anos de 1950 dos EUA, “as classes desfavorecidas constituem o subgrupo a quem a máquina política satisfaz as necessidades não adequadamente satisfeitas pela estrutura social legítima”. Uma observação que bem pode se aplicar no contexto cabo-verdiano dos últimos tempos. A "rabidância" do voto que abre este texto, quer em formato de ser pago para votar ou simplesmente para ficar em casa (com as célebres alugueis de documentação identitária) quer no formato de “cabeça” de campanhas de rua é um exemplo disso mesmo.
Consta-se que na Praia o preço por “cabeça” este ano autárquico pago por um dos partidos da governação é de 1000 escudos diários em algumas zonas (em particular na zona “simbólica” sul). Noutras, na zona “simbólica” norte, em alguns bairros é de 600 escudos e noutros 800 escudos. Não é pretensão aqui buscar uma explicação sobre a razão desta hierarquização territorial, mas o que importa dizer é que independentemente desta questão, parece óbvio que tal como já vimos noutros "carnavais", passado a noite eleitoral, dessa tropa militante alugada, apenas uns quantos sortudos (mais especificamente os mobilizadores) conseguem um job (alguns precários) na CMP. Vimos isso com Francisco depois de 2020 e já tínhamos visto antes com Ulisses/Óscar e ainda se formos mais atrás chegamos ao tempo de Felisberto. Pode se mudar os candidatos, mas a prática insiste em manter-se.
Para discutir estas questões convidamos, no mesmo ano em que publicamos o artigo referido, a Rosário da Luz, na época cronista do Expresso das Ilhas, para introduzir um debate no Djumbai Libertariu (aqui) num dos bairros ditos periféricos da Praia (Castelão). Pelo meio da coisa, um puto de pouco mais de 20 anos confessou ter votado nas legislativas de 2011 em dois partidos – de manhã no PAICV, no Paiol e à tarde no MpD, em Castelão, seu bairro de residência. Como bem salientou Rosário no artigo de opinião que escreveu a seguir ao encontro (aqui) e no vídeo em cima, é a demonstração do total desprezo de muitos jovens ao nosso sistema democrático que tanto é elogiado por nós e pelos outros (sobretudo daqueles que, dependentes da reprodução da economia da indústria do desenvolvimento, preferem fechar os olhos com receio de que a torneira feche).
Todavia, há que ter em conta que, como afirmamos no tal artigo de 2014, “os jovens, porque em estado de vulnerabilidade, são vítimas da máquina política”. Os dados estatísticos do INE sobre a juventude, não obstante a tentativa última de deturpação ou má interpretação de alguns agentes da máquina governamental, são bem demonstrativos em relação à precariedade juvenil em Cabo Verde. O cruzamento desses dados com as informações etnográficas ou mesmo qualitativas de muitos estudos produzidos na última década é ainda mais elucidativo. Tal como dissertou Roberto Merton nos longínquos anos de 1950 dos EUA, “as classes desfavorecidas constituem o subgrupo a quem a máquina política satisfaz as necessidades não adequadamente satisfeitas pela estrutura social legítima”. Uma observação que bem pode se aplicar no contexto cabo-verdiano dos últimos tempos. A "rabidância" do voto que abre este texto, quer em formato de ser pago para votar ou simplesmente para ficar em casa (com as célebres alugueis de documentação identitária) quer no formato de “cabeça” de campanhas de rua é um exemplo disso mesmo.
Consta-se que na Praia o preço por “cabeça” este ano autárquico pago por um dos partidos da governação é de 1000 escudos diários em algumas zonas (em particular na zona “simbólica” sul). Noutras, na zona “simbólica” norte, em alguns bairros é de 600 escudos e noutros 800 escudos. Não é pretensão aqui buscar uma explicação sobre a razão desta hierarquização territorial, mas o que importa dizer é que independentemente desta questão, parece óbvio que tal como já vimos noutros "carnavais", passado a noite eleitoral, dessa tropa militante alugada, apenas uns quantos sortudos (mais especificamente os mobilizadores) conseguem um job (alguns precários) na CMP. Vimos isso com Francisco depois de 2020 e já tínhamos visto antes com Ulisses/Óscar e ainda se formos mais atrás chegamos ao tempo de Felisberto. Pode se mudar os candidatos, mas a prática insiste em manter-se.