Li há dias um texto do historiador Rui Bebiano sobre os sectarismos e fanatismos dos dias de hoje e chamou-me a atenção a passagem em que afirma que o fator mais importante de aproximação entre estes dois fenómenos “é a comum dificuldade que os seus praticantes revelam para reconhecer escolhas que questionem as suas certezas, rejeitando o diálogo com outras convicções, mesmo as mais próximas, e não reconhecendo a hipótese do erro”. Isto a propósito da atual conjuntura eleitoral na Praia, em particular da cegueira político-partidária na atribuição de um suposto vencedor no debate entre os candidatos à CMP realizada na semana passada. Ouvi o debate com muita atenção e a minha primeira impressão foi de ter assistido um espetáculo radiofónico de baixíssimo nível, ainda muito pior do de 2020, que por si só já tinha sido bastante mau. Também, na sequência de uma postagem que li no Facebook de uma militante “paicvista” de volta à cidade que a viu nascer a elogiar aquilo que chamou de “mudanças estruturais da cidade” graças ao trabalho do atual edil, numa tentativa de resposta aos críticos da situação calamitosa que a cidade capital se encontra. Ou ela não sabe o que uma mudança estrutural implica ou, o mais provável, enquadra-se na citação retirada do texto de Bebiano.
Observo de perto e de dentro as campanhas eleitorais cabo-verdianas desde 2008 e chega a ser penoso o baixo nível argumentativo que muitas pessoas, algumas até inteligentes, utilizam. Sem falar das posturas e atitudes, num período que institucionalmente já é tomado como estando orientado por uma espécie de regime de exceção jurídica e de bom senso. Mas lá está, não é uma especificidade crioula, uma vez que o mesmo se pode observar noutras paragens, algumas delas ditas de referência mundial em termos democráticos. Contudo, por cá, repara-se que as opiniões e argumentos usados, em larga medida, não escapam às bolhas de classe (e sua extensão espacial) e político-partidário que muitos cidadãos se encontram enclausurados. Isso, sem falar da bolha emocional de certos analistas. Aliás, numa análise política que se quer imparcial e objetiva, não interessa gostar ou não do candidato. Max Weber na sua sábia escrita sobre a neutralidade axiológica fala de referência aos valores como alternativa àqueles que têm dificuldades em separar o juízo do valor. Não que acredite a 100% da tal coisa da neutralidade ou de separação do dito com o cujo, mas quem analisa, ao anunciar estes princípios, fazendo querer acreditar neles, convém que os cumpra.
Praia tem quatro candidatos ao poleiro, mas as reais chances recaem sobre dois: Francisco Carvalho e Abraão Vicente. Para os indecisos, o debate apenas reforçou a ideia de que a degradação política em Cabo Verde está para durar. Com isso não estou a afirmar que ambos os candidatos não possuem capacidade política. Têm a sobrar. No entanto, são espertos o suficiente para perceberem que num contexto de iliteracia política galopante e de liderança Tik-Tok, o conteúdo pouco importa. Pessoalmente, nenhum dos candidatos (ou melhor dizendo, dos quatro) me representa. O Romeu teve a sua oportunidade e foi incapaz de o capitalizar politicamente nos anos subsequentes à eleição autárquica de 2020. Em relação ao candidato da UCID, o que há a dizer é que depois do fulano que o procedeu e a célebre promessa de transformar Praia numa Nova Iorque de África, já nada espanta, nem sequer a proposta irrealista de que a solução para a capital seria deitar tudo ao chão e refazer do zero.
Se nós, os que não se deixam enquadrar na cartilha partidária, formos com objetividade buscar elementos que nos façam decidir o voto, fica o seguinte: de um lado, temos Carvalho, um candidato que se resguarda num demagogismo bacoco e vitimismo crónico, sem um programa eleitoral digno desse nome (a não ser as propostas “fulhadas” nos comícios, mas de implementação bastante duvidosa), que dos tópicos de propostas apresentadas há quatro anos, nem metade conseguiu levar a cabo, não obstante uma enxurrada de jobs distribuídos, sem qualquer efeito prático (a não ser no bolso dos utentes) na melhoria de qualidade de vida dos munícipes. Sendo certo que o Governo central de forma leviana orquestrou declaradamente um plano (se calhar falhado, diga-se de passagem) para a sua liquidação e assassinato político, também é uma realidade que o homem se pôs a jeito. Como tão bem cantou Star, um dos bons rappers da cena hip-hop praiense, “Ruas ta Papia”. De outro, Vicente, um candidato que desce do pedestal do Governo para se posicionar no pole position da liderança do partido verde caso vença, que teve a habilidade de assinar um acordo de pesca ainda pior do que herdou, mas com um programa eleitoral bem argumentado (com ideias que parecem ter sido retiradas do relatório do diagnóstico de Safende - aqui), pelo menos o que está escrito, mas que nada indica que venha a ser implementado (ou implementado da melhor maneira). Porém, a ideia de retomar o que Ulisses/Óscar e sua tropa fizeram entre 2008 e 2020, se for no sentido de voltar a levantar o estima e orgulho de urbanidade do praiense, acho bem, mas que seja bem melhor, que de esquemas de negócios de terrenos duvidosas (que também se aplica à governação amarela) e medidas urbanísticas de cosmética (com Fonton à cabeça, que não serve propriamente de um exemplo a se acenar em termos do conceito lato de urbanização) estamos cientes.
O que Praia precisa é de um aceleramento, mas que seja inclusiva. Não esquartejada e distribuída a uns poucos debaixo de discursos ocos como “Praia para Todos” ou algo a ligar com “Pelas Pessoas". Por um lado, quer-me parecer que uma vitória de Abraão pode ser considerada boa no sentido de dar a ideia de que o eleitorado é maduro e atento o suficiente para saber manter ou retirar candidatos que defraudem suas expetativas. Já o fizeram antes e nada garante que não volte a acontecer. Por outro, a manutenção de Francisco no poleiro municipal poderá querer significar uma penalização à governação sem djobi pa ladu “mpdista” que, a bem dizer, não tem sido tão positiva como se quer fazer parecer. Isto não obstante os constantes elogios do Banco Mundial e Fundo Monetário Internacional (que não são propriamente um bom presságio) sobre o crescimento económico, que como qualquer pessoa com um nível razoável de massa crítica intelectual sabe, tal não garante necessariamente um desenvolvimento social sustentável beneficente para todos.
Observo de perto e de dentro as campanhas eleitorais cabo-verdianas desde 2008 e chega a ser penoso o baixo nível argumentativo que muitas pessoas, algumas até inteligentes, utilizam. Sem falar das posturas e atitudes, num período que institucionalmente já é tomado como estando orientado por uma espécie de regime de exceção jurídica e de bom senso. Mas lá está, não é uma especificidade crioula, uma vez que o mesmo se pode observar noutras paragens, algumas delas ditas de referência mundial em termos democráticos. Contudo, por cá, repara-se que as opiniões e argumentos usados, em larga medida, não escapam às bolhas de classe (e sua extensão espacial) e político-partidário que muitos cidadãos se encontram enclausurados. Isso, sem falar da bolha emocional de certos analistas. Aliás, numa análise política que se quer imparcial e objetiva, não interessa gostar ou não do candidato. Max Weber na sua sábia escrita sobre a neutralidade axiológica fala de referência aos valores como alternativa àqueles que têm dificuldades em separar o juízo do valor. Não que acredite a 100% da tal coisa da neutralidade ou de separação do dito com o cujo, mas quem analisa, ao anunciar estes princípios, fazendo querer acreditar neles, convém que os cumpra.
Praia tem quatro candidatos ao poleiro, mas as reais chances recaem sobre dois: Francisco Carvalho e Abraão Vicente. Para os indecisos, o debate apenas reforçou a ideia de que a degradação política em Cabo Verde está para durar. Com isso não estou a afirmar que ambos os candidatos não possuem capacidade política. Têm a sobrar. No entanto, são espertos o suficiente para perceberem que num contexto de iliteracia política galopante e de liderança Tik-Tok, o conteúdo pouco importa. Pessoalmente, nenhum dos candidatos (ou melhor dizendo, dos quatro) me representa. O Romeu teve a sua oportunidade e foi incapaz de o capitalizar politicamente nos anos subsequentes à eleição autárquica de 2020. Em relação ao candidato da UCID, o que há a dizer é que depois do fulano que o procedeu e a célebre promessa de transformar Praia numa Nova Iorque de África, já nada espanta, nem sequer a proposta irrealista de que a solução para a capital seria deitar tudo ao chão e refazer do zero.
Se nós, os que não se deixam enquadrar na cartilha partidária, formos com objetividade buscar elementos que nos façam decidir o voto, fica o seguinte: de um lado, temos Carvalho, um candidato que se resguarda num demagogismo bacoco e vitimismo crónico, sem um programa eleitoral digno desse nome (a não ser as propostas “fulhadas” nos comícios, mas de implementação bastante duvidosa), que dos tópicos de propostas apresentadas há quatro anos, nem metade conseguiu levar a cabo, não obstante uma enxurrada de jobs distribuídos, sem qualquer efeito prático (a não ser no bolso dos utentes) na melhoria de qualidade de vida dos munícipes. Sendo certo que o Governo central de forma leviana orquestrou declaradamente um plano (se calhar falhado, diga-se de passagem) para a sua liquidação e assassinato político, também é uma realidade que o homem se pôs a jeito. Como tão bem cantou Star, um dos bons rappers da cena hip-hop praiense, “Ruas ta Papia”. De outro, Vicente, um candidato que desce do pedestal do Governo para se posicionar no pole position da liderança do partido verde caso vença, que teve a habilidade de assinar um acordo de pesca ainda pior do que herdou, mas com um programa eleitoral bem argumentado (com ideias que parecem ter sido retiradas do relatório do diagnóstico de Safende - aqui), pelo menos o que está escrito, mas que nada indica que venha a ser implementado (ou implementado da melhor maneira). Porém, a ideia de retomar o que Ulisses/Óscar e sua tropa fizeram entre 2008 e 2020, se for no sentido de voltar a levantar o estima e orgulho de urbanidade do praiense, acho bem, mas que seja bem melhor, que de esquemas de negócios de terrenos duvidosas (que também se aplica à governação amarela) e medidas urbanísticas de cosmética (com Fonton à cabeça, que não serve propriamente de um exemplo a se acenar em termos do conceito lato de urbanização) estamos cientes.
O que Praia precisa é de um aceleramento, mas que seja inclusiva. Não esquartejada e distribuída a uns poucos debaixo de discursos ocos como “Praia para Todos” ou algo a ligar com “Pelas Pessoas". Por um lado, quer-me parecer que uma vitória de Abraão pode ser considerada boa no sentido de dar a ideia de que o eleitorado é maduro e atento o suficiente para saber manter ou retirar candidatos que defraudem suas expetativas. Já o fizeram antes e nada garante que não volte a acontecer. Por outro, a manutenção de Francisco no poleiro municipal poderá querer significar uma penalização à governação sem djobi pa ladu “mpdista” que, a bem dizer, não tem sido tão positiva como se quer fazer parecer. Isto não obstante os constantes elogios do Banco Mundial e Fundo Monetário Internacional (que não são propriamente um bom presságio) sobre o crescimento económico, que como qualquer pessoa com um nível razoável de massa crítica intelectual sabe, tal não garante necessariamente um desenvolvimento social sustentável beneficente para todos.